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Paternidade de crianças especiais: “Deus confiou em minha capacidade de amar”

Felipe Bezerra conta como é ser pai de um filho autista e uma filha com síndrome de down.
Meu nome é Felipe Bezerra, moro atualmente na Áustria, tenho 42 anos e mais da metade deles como membro da Comunidade Católica Shalom. Na minha caminhada eu demorei um pouco para discernir meu estado de vida, fui seminarista e depois fui celibatário por alguns anos para só depois ainda com receio de ter discernido errado me abri ao matrimônio.
Nosso primeiro filho, Christopher, veio quase coincidindo com nosso primeiro aniversário de casamento e foi uma alegria indescritível. Ele crescia bem e tinha quase todos os marcos de desenvolvimento de uma criança típica, com exceção do andar que veio um pouco mais tarde, mas fora isso nada que me fizesse desconfiar de alguma deficiência.
Dois anos depois, minha esposa ficou gravida novamente e até o sexto mês tudo seguia bem. Nos mudamos nesse interim para a Alemanha. Já no primeiro exame pré-natal o médico percebeu que tinha algo diferente com a Sarah, nossa filha, e nos mandou marcar um ultrassom o quanto antes no hospital onde eles têm equipamentos melhores. Lá descobrimos uma má formação venosa no fígado que estava desviando o sangue “bom” (arterial, com oxigênio) de volta para o coração.
Os últimos meses de gravidez foram cheios de visitas ao hospital, oração e sem dúvida nervosismo. Até um determinado dia em que a médica que nos acompanhava pediu para a Juliana (minha esposa) ficar internada para ser monitorada diariamente. Me vi voltando para casa (60 km de distância do hospital) sozinho com o Christopher que mal tinha dois anos e meio, ainda tendo que trabalhar tempo integral em um país longe dos meus familiares (Brasil ou Canadá) e dos da minha esposa (Áustria e Brasil). Nosso Senhor nos deu a graça de viver um dia de cada vez. Os irmãos da Comunidade de Vida, mesmo morando quase do outro lado da Alemanha, se fizeram presentes e os irmãos da Aliança foram a nossa família nos ajudando em tudo.

Sim à vida
A médica ao perceber a má formação perguntou se teríamos considerado a possibilidade de um aborto e recebeu dois fortes “NÃO” antes mesmo de conseguir terminar a pergunta. Percebi que ela não esperava outra resposta da gente, porque ela via como eu normalmente me emocionava ao ver nossa bebê nos exames. Esse testemunho ficou marcado na memoria dela. Ela nos ligou alguns meses depois perguntando se poderia passar nosso contato para uma outra família brasileira na Alemanha que tinha acabado de receber o diagnóstico de Síndrome de Down e não queria abortar, para que pudéssemos ser um apoio para eles nesse momento.
Nossa Sarinha nasceu com 35 semanas e descobrimos sua trissomia (Síndrome de Down) no dia do parto ao olhar para ela. Nesse mesmo tempo, os atrasos de desenvolvimento do Christopher já se faziam perceber mais claramente. A dificuldade em brincar com outras crianças da mesma idade, as poucas palavras que ele falava na sua maioria não eram funcionais e precisávamos de algum esforço para entender o que ele queria o que gerava frustração nele e em nós.
Somente no ano seguinte e depois de mais uma mudança de país, tivemos o diagnóstico de autismo moderado dele. As palavras da médica caiam pesadas no meu coração, à medida que ela falava das dificuldades próprias do autismo o que me vinha na mente era “muitas portas vão se fechar para ele, mas eu vou estar lá pra tentar abri-las com ele”. Se abria diante de mim mundo que me era totalmente novo, eu conhecia um pouco o mundo da Síndrome de Down, tenho uma irmã com Down, mas de autismo eu só conhecia os estereótipos seja dos “savants”, os super inteligentes bons em matemática ou dos que não falam e ficam se balançando nos cantos dos quartos (quantos filmes mostram essas imagens como os “loucos”).
O Christopher nos surpreendeu, no dia do diagnóstico a médica me disse que talvez ele nunca aprendesse a falar. Ele aprendeu inglês na escola, fala bem e muito nessa língua, mas não parou ai, entende bem os avós que falam português e está na escola aqui em Viena conversando e escrevendo em alemão.

Pai de crianças especiais
Como ser pai de crianças especiais? Não sei. Vou vivendo cada dia celebrando as vitórias, tentando não se apoiar nas derrotas, esperando o inesperado e estimulando para que eles encontrem o potencial que eles conseguirem. A Sarah muito provavelmente nunca virá ser uma astronauta, mas poderá, quem sabe, ser enfermeira ou professora se tiver a ajuda e apoio. Christopher já provou que pode superar expectativas e há de surpreender muita gente ainda.
Todo esse texto para falar que Nosso Senhor acreditou em mim, na minha capacidade de amar sem cobrar nada em troca. Ele me ama e acredita em mim, Ele acredita que eu tenho potencial para, com a ajuda e a graça d´Ele, ser santo. Então eu abraço essa missão com todas as dificuldades e alegrias na certeza de que da mesma forma que eu não abandonarei meus filhos Ele não vai me abandonar.

Fonte: Shalom