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O que fazer para acessar a paz interior

A vida cristã é um caminho de paz interior. Um caminho que nos convida à conversão constante

Chegamos ao final de mais um ano. A essa altura, talvez já tenhamos preparado nossa lista de metas para 2024, dando-nos provavelmente conta que pouco daquilo que prometemos para 2023 foi cumprido. É comum pedirmos e desejarmos bênçãos e paz para o ano que se inicia. “Esse ano, quero paz no meu coração”, já diz a tão antiga letra da canção brasileira. Mas, se fôssemos escrever, pessoalmente, a definição de “paz interior”, qual seria essa definição? E após encontrarmos essa definição pessoal, o que pode nos fazer acessar essa paz? E o que nos faria perdê-la?

Neste fim de ano, gostaria de propor uma breve discussão sobre a tão desejada paz. Não uma discussão do ponto de vista de um processo psicológico para encontrar a paz interior, ou seja, um estado de “zenitude”. Mas sim da perspectiva do caminho, ou parte de um caminho. Se a “paz” em geral é um tema bastante amplo, a “paz interior” não é menos vasto como tema. Podemos abordá-lo de várias maneiras diferentes. Mas optei pelo ângulo da Palavra de Deus e da Fé.

O dicionário teológico de Louis Bouyer define a paz da seguinte forma: “no sentido bíblico da palavra, devemos lembrar que a paz não é apenas a ausência de problemas, mas a vida em plenitude, que só se encontra com Deus e na sua amizade. Daí também o significado da bem-aventurança prometida aos pacíficos.”

A primeira coisa que podemos observar nessa definição é o paradoxo apresentado entre o fato de que paz não é sinônimo de ausência de problemas. Ora, logo que falamos de paz é justamente o fato ou o desejo de não ter problemas, de não ser incomodado por nada. Com efeito, não é raro ver, na Palavra de Deus, sobretudo nos Salmos, como o crente é posto à prova, mas sem nunca perder a confiança. É a história de Jó, é também o caminho pascal de Cristo. É Jesus quem nos dá uma primeira pista de que a paz não é algo mecânico, mas é um dom.

No Evangelho de João (14, 27) quando Jesus faz a promessa do Espírito Santo, o paráclito, depois de ter revelado aos discípulos a sua própria partida, deixa a paz com os seus. “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não vo-la dou como o mundo a dá. Não se perturbe o vosso coração, nem se atemorize!” De alguma forma, ele não lhes diz que tudo será fácil, mas lhes dá sua paz, capaz de apaziguar seus corações. Seria talvez essa a noção adequada de “paz interior”. “A paz dada aos discípulos, precisamente porque emana de Cristo, é distinta daquilo que o mundo pode oferecer nesta matéria. É uma paz que não está sujeita a convenções, jogos de poder, acasos e precariedades do mundo, mas que tem seu fundamento em Deus. Por isso, não pode ser ameaçado nem aniquilado pelo mundo.”

A paz interior é um dom, fruto da nossa relação com Cristo, que se doa. Ele, que passou pela prova da cruz e pela alegria da Ressurreição nos dá o que podemos compartilhar esta boa nova. A vida cristã é, portanto, um caminho de paz interior. Um caminho que nos convida à conversão constante. Esta conversão que nos convida, por sua vez, a colocar no centro da nossa vida esta certeza de que sem Cristo nada podemos fazer, porque é Ele mesmo quem nos diz no Evangelho de João “sem mim nada podeis fazer”, portanto, fora dela não podemos encontrar a verdadeira paz interior.

Ele nos alerta para o que o mundo está tentando oferecer para alcançar uma vida interior pacífica. Na verdade, o que podemos encontrar são receitas prontas que nos prometem uma vida sem problemas e sem preocupações. O que pode nos levar ao individualismo e à indiferença para com os outros. Enquanto o caminho cristão, da paz interior, deve conduzir-nos inexoravelmente para os outros, deve nos levar a nos deixar tocar pelo outro e ver o outro (e a nós mesmos) com um olhar de compaixão, benevolência e amor fraterno. Se em nome da minha paz interior me afasto dos outros, não procuro a paz, mas a tranquilidade. No entanto, sabemos bem que a vida (incluindo a vida cristã) não é um longo rio calmo.

A paz interior, do ponto de vista bíblico, é um apelo à confiança, a viver o que nos é dado viver não na indiferença, mas com esta certeza de que não estamos sozinhos, pois Cristo disse que estaria conosco todos os dias. Até o fim dos tempos. Se tomarmos a história humana de Jesus, não podemos dizer que foi uma vida tranquila. Nem dele nem de seus pais. Mal nasceu, tive que fugir; quando Jesus era apenas um adolescente, seus pais enfrentaram a angústia de perdê-lo em Jerusalém; seguiu-se, alguns anos depois, o ministério público de Jesus, sua paixão, morte e ressurreição. Não são o que podemos chamar de “tranquilidade”, mas são acontecimentos que podem ser vividos na paz interior se estivermos enraizados nesta relação com o Senhor. Se olharmos para a nossa vida agora, pessoalmente, ela é tranquila ou agitada? E se olharmos para o nosso coração, o que se passa lá dentro, ele está preocupado ou em paz? A paz interior não é falta de sentimento ou indiferença… mas é um apelo incessante à confiança. Esta confiança que é fruto da conversão. Como então encontrá-la? Ou melhor, como vivê-la?

A paz é vivida precisamente nesta relação pessoal com Cristo. Essa paz interior é construída no tempo presente. E neste convite a viver no tempo presente, muitas vezes somos confrontados com o medo do futuro ou com a angústia do passado. Como a graça de Deus opera em nossas vidas hoje? Deus permanece conosco porque nos ama e nos encoraja a contemplar o futuro com louvor. Portanto, devemos colocar o ano que se inicia em Suas mãos e recebê-lo com boa atitude e esperança. Não é que possamos prever um pouco o futuro. Mas é um convite a confiar na providência divina. Os lugares onde podemos viver, aprofundar e (re)encontrar esta paz interior são precisamente a oração, a frequência da Palavra de Deus e dos sacramentos, a comunhão fraterna e a nossa abertura ao mundo e às suas necessidades. A paz interior não é o fato de se desligar de tudo, mas de viver plenamente o que somos convidados a viver, com Deus e em Deus.

A verdadeira paz interior é uma consequência natural da nossa caridade ativa. Ou seja, do nosso amor em ação. Assim, não buscamos a paz em si, como se fosse adquirida de uma vez por todas, mas a paz interior é um caminho construído dia após dia por atos concretos de amor. Assim como a vida aqui é uma luta, a paz interior também é. Podemos ser perturbados por eventos externos, então retomaremos o caminho para entrar na paz novamente. Essa paz só será perfeita no céu. Aqui na terra podemos acolher o dom de Cristo e entrar na confiança da fé, lembrando que o Senhor nos olha com ternura, que nos acompanha e, com os nossos gestos concretos de caridade, nos tornam sempre mais livres.

Fonte: Aleteia
Imagem: sun ok | Shutterstock