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Jesus foi um mero profeta ou revolucionário?

Jesus foi um mero profeta ou revolucionário?
As verdades centrais da fé são expressas de maneira sempre analógica, quando não puramente metafórica
Não se pode negar que Jesus seja visto como profeta e revolucionário: anunciou, como profeta, o Reino de Deus e revolucionou a religião mosaica. A expressão da fé nega, contudo, os limites da simples experiência histórica, para afirmar sua verdade, de maneira transcendente: Mais do que profeta ou revolucionário, Jesus é o Filho de Deus feito homem.

O discurso histórico e a expressão da fé

Todas as fontes habituais da história universal nos falam de Jesus de Nazaré, que é a personalidade central dos textos correntes na comunidade cristã, desde alguns anos depois de sua morte. Narram como viveu, o que ensinou, as circunstâncias em que morreu e a maneira como os discípulos, tendo-se certificado de que estava vivo, o reconheceram como Filho do Deus e se tornaram suas testemunhas por toda a terra então conhecida.

Profeta? Foi reconhecido como tal pelo povo (Jo 7,40). Revolucionário? Foi acusado de sê-lo e, por isso, condenado e morto. Na realidade, porém, aqueles que o conheciam mais de perto e compreenderam o alcance de suas palavras, sabiam que era muito mais do que isso, pois dizia palavras de vida eterna, manifestando-se como o Santo de Deus (Jo 6,69s), em português, o Ungido, em hebraico, o Messias prometido ao povo desde o tempo dos patriarcas, em grego, o Cristo, como desde cedo o apelidaram os cristãos.

O quarto evangelho, atribuído a João, o “discípulo amado”, oferece-nos num texto denso, o testemunho que levou os discípulos, a partir da intimidade com Jesus e dos “sinais”, que marcaram momentos decisivos de sua existência, a confessar sua divindade: “No princípio era a Palavra, e a Palavra estava junto a Deus, e a Palavra era Deus” (Jo 1,1).

Jesus, pois, para os que o conheceram, não foi apenas profeta ou revolucionário, mas homem de Deus, santo de Deus, Filho de Deus, num sentido único e transcendente.

A expressão da fé em Jesus está baseada na sua história, como os discípulos a viveram, aprendendo com Ele a dar cada dia mais importância às realidades interiores, percebidas pelo coração. Jesus, depois de  convidá-los a segui-lo, lhes falava a partir de sua sensibilidade de homens simples, envolvidos com população pobre e, muitas vezes, sofredora.

Os poderosos, a quem se vinculava a classe sacerdotal, agrupada em torno do templo, e os mestres e intérpretes da lei, que se ocupavam das celebrações nas sinagogas, salvo raras exceções, resistiam ao ensinamento de Jesus, contestando-lhe os gestos de misericórdia em favor dos doentes ou excluídos da vida social.

Quem ainda hoje lê os textos antigos, à luz dos cânones do discurso histórico estabelecidos há dois séculos, tende a classificar Jesus como profeta ou revolucionário, em choque com as práticas religiosas preconceituosas e discriminatórias, ou com as estruturas sociais injustas, que oprimiam o seu povo, dominado pelos romanos.

Jesus seguiu o mesmo caminho dos profetas, denunciando as injustiças, incomodando os poderosos, sendo, por isso, por eles rejeitado e perseguido. Mas os textos cristãos são claros quanto às razões de agir de Jesus, inspiradas acima de tudo na fidelidade a Deus, a quem chama de Pai, e no amor de quem dá a própria vida por aqueles a que ama, submetendo-se às misteriosas disposições do Pai.

A libertação que Jesus anuncia, e por isso se fez homem, cumprindo a promessa de Deus de salvar a todos, é um reino definitivo de justiça, de paz e de amor, muito mais do que um triunfo a ser vivido na história.

Vivemos essa realidade, por enquanto, no coração, “dentro de nós” (Lc 17,21), até que um dia seja definitivamente estabelecida, numa sua segunda vinda, reunindo todos os justos que O acolheram e seguiram os seus passos.
Assim, o papel que Jesus desempenha na história como profeta, revolucionário, camponês ou mesmo, simplesmente, judeu ou palestino do primeiro século, não esgota a realidade profunda de sua vida. Seus gestos e palavras apelam para uma dimensão transcendente, que somente explica como é acolhido através da história, desde os que com ele conviveram, até os cristãos de hoje.

Mas então, quem é Jesus?

Como todo ser humano, Jesus pertenceu a um determinado povo, foi um judeu, viveu num determinado tempo, do imperador Quirino ao governo de Pôncio Pilatos, num determinado lugar entre a Judeia e a Galileia, foi artesão, viveu a vida simples dos habitantes de Nazaré.

Foi ao encontro de João Batista no deserto e percorreu as cidades mais conhecidas de sua região, seguido de alguns discípulos e, com relativa frequência, de uma multidão mais numerosa atraída pelas suas palavras e gratificadas pelas suas curas e exorcismos.

Nenhum desses traços particulares, porém, manifesta ou explica a originalidade pessoal profunda desse homem. A veracidade da sua humanidade acaba se afirmando em contraste com o mistério de sua Pessoa. Como narra Mateus: “O centurião, (comandante) dos que guardavam Jesus (na cruz), ao verem o terremoto e tudo mais que acontecia na hora de sua morte, ficaram muito amedrontados e exclamaram: ‘De fato, esse homem era Filho de Deus!’” (Mt 27,54)

O texto de Mateus mostra como, já na sua época, os cristãos perceberam a articulação entre a veracidade da humanidade, atestada na morte, e o reconhecimento da divindade, manifestada pelos sinais de Deus que acompanharam o momento supremo da cruz.

Amedrontada, a corte romana confessa o que os discípulos vão proclamar ao terceiro dia, diante do túmulo vazio e do encontro com o Senhor que vem até eles, comunicando-lhes o Espírito: “Meu Senhor e meu Deus!” (Jo 20, 28).

Cinquenta dias mais tarde, em Pentecostes, Pedro vai também proclamar a morte de cruz e a ressurreição de Jesus, intimamente associadas, fixando o anúncio fundamental do cristianismo, o querigma: Mais do que profeta ou revolucionário, executado como criminoso, Jesus, verdadeiro homem, é o Filho de Deus, que nos comunica o Espírito, que nos transforma interiormente – metanoia – dá-nos a força de testemunhar, numa comunhão de amor fraterno e de serviço.

Em continuidade com a tradição, a proclamação da morte e da ressurreição de Jesus é a garantia de que Deus está conosco, como está com Jesus e preenche nossas aspirações mais íntimas, o desejo da bem-aventurança, que é o próprio Deus.

Atualmente, mergulhados numa cultura voltada para si mesma e consciente da fragilidade dos valores que poderiam nos sustentar, experimentamos, ao mesmo tempo, o desejo de viver com simplicidade a fé dos discípulos de Jesus e dos primeiros cristãos e o medo de nos perdermos como pessoas, acolhendo o Crucificado Ressuscitado, sem passar pelo exame crítico da razão e da ciência.

Vivemos, ao mesmo tempo, o desejo de acreditar em Jesus, como os discípulos, e a necessidade de ajustar a fé às exigências do pensamento crítico e da lógica científica.

Somos herdeiros de um longo esforço, feito pela tradição ocidental, de ajustar a profissão de fé dos apóstolos às exigências da razão, formuladas primeiro em continuidade com o pensamento grego e, séculos mais tarde, com as reivindicações da modernidade.

Uma resposta construída ao longo da história

Como responder à questão de saber se Jesus foi mero profeta ou revolucionário?

Devemos ter sempre presente que os discípulos que com Ele se encontraram, O reconheceram como profeta e aceitaram seu convite para ir ver onde morava e com Ele ficaram, transmitindo depois jubilosos, uns aos outros, que haviam encontrado o Messias (Jo 1, 35-42).
 
Fonte: Zenit.org