Espiritualidade familiar – Semana da Família
Paróquia São Sebastião
Semana da Família
Belo Horizonte (Betânia), 29 de agosto de 2014
Espiritualidade familiar
Frei Almir Ribeiro Guimarães
http://franciscanos.org.br/?p=37702
Os casais e as famílias precisam alimentar ou reencontrar um modo de se vincularem a Deus. Na Igreja doméstica se reza, se ouve a Palavra, se fala do Evangelho, se vive até o fim o sinal da presença do Senhor no sacramento do matrimônio e nas reuniões da Igreja doméstica. Mas, sobretudo, se vive sob o olhar de Deus no tecido do cotidiano. Inspiramo-nos no texto: “A Liturgia Doméstica”, in “Casamento, sacramento do dia a dia”, Maria do Carmo e José Maria Whitaker Neto, publicação interna das ENS.
1. Henri Caffarel, sacerdote francês, fundador das Equipes de Nossa Senhora, assim fala da liturgia na Igreja doméstica: “Vocês que estão casados dispõem de pouco tempo para estudar, para aprofundar a fé. Alguns sofrem com isso, enquanto outros se conformam com facilidade, felizes por contar com um pretexto que os dispensa de uma laboriosa busca. Esquecem que não apenas os livros falam de Deus e que, em sua casa, têm à sua disposição uma “bíblia doméstica”, se é que assim posso me exprimir. Não deixem de consultá-la. Refiro-me a todas essas realidades familiares que vocês possuem: o amor conjugal, a paternidade, a maternidade, a infância, a casa… É o que de mais explícito Deus encontrou para se dar a conhecer. Algo capaz de fazer sentir inveja aos que não se casam”.
2. Liturgia doméstica, culto a Deus prestado ao Senhor em casa, oferenda religiosa da vida conjugal, iluminação dos caminhos da vida do casal e dos filhos. De maneira muito simples, mas cheia de verdade, lemos: “O casal tem também sua liturgia. É no seu viver cotidiano que se desenvolve a sua espiritualidade conjugal, seu modo peculiar de se relacionar com Deus. É no dia a dia que o casal se aprofunda no seu amor e no amor de Deus, e procura pôr em prática o plano de amor que Deus lhe confiou. As ações corriqueiras de cada dia são manifestações da liturgia do casal, não apenas para aqueles momentos em que o casal se une para rezar. Proporcionar ao cônjuge as coisas pequenas e simples que o façam feliz: um agrado, um sorriso, uma palavra de ânimo, dedicar-lhe mais tempo quando está cansado ou aborrecido, surpreendê-lo com algo inesperado (uma flor, um bilhete), incentivar a luta para vencer a indolência, o orgulho, o egoísmo, desinstalar-se para prestar pequenos serviços (atender ao telefone, apanhar um copo de água, apagar uma luz), nunca deixar o cônjuge mal perante outras pessoas… Todas essas ações fazem parte da liturgia do casal e são verdadeiros ritos que expressam amor, que é o sinal sensível do sacramento da sua união”.
3. Há a liturgia familiar. “No meio das realidades terrenas e temporais, os cônjuges e os filhos marcam o ritmo da vida doméstica, pelos seus ritos diários. Os costumes de cada família, o bom dia que se desejam os cônjuges, o simples fato de os pais acordarem os filhos abrindo as janelas para que recebam a luz do sol, a refeição que tomam juntos, a despedida quando saem para a escola e para o trabalho, o retorno à casa ao final do dia, os telefonemas que fazem para se fazerem presentes na vida deles, são pequenos ritos que os unem a Deus e os santificam”.
4. “A família é o resultado da relação que se estabelece entre pais, filhos e netos, e do vínculo de união e de afeto que os coloca todos, pela convivência, na busca da realização pessoal e da felicidade. Aniversários e festas de família, casamentos, batizados, comemorações dos êxitos e das conquistas dos membros da família, refeições em comum, viagens passeios e ocasiões de lazer, a execução de tarefas domésticas e a participação em atividades sociais, as memórias e lembranças que dão conteúdo à história da família são momentos marcantes da vida familiar. Tornam-se costumes, transformam-se em verdadeiros ritos que possibilitam a vivência do amor e da caridade. Daí a sacralidade da família”.
5. O sacramento do matrimônio não pode ser apenas tido como um evento fugidio perdido num passado longínquo. O próprio corpo participa do sacramento. Agora quem nos fala desse assunto é Xavier Lacroix, teólogo leigo francês: “A ideia de sacramento não é tão abstrata quanto possa parecer. Ela está ligada à existência corporal. Numerosos são, na existência, gestos que realizam o que significam. As mais das vezes são os gestos mais carregados de valor e de sentido, os mais concretos, os mais encarnados: gestos de amizade ou de ternura, da mão sobre o ombro à carícia, união carnal também, mas também presentes, refeições compartilhadas etc. São atos simbólicos, mas reais. Através deles se realiza alguma coisa: o encontro, a renovação da ternura, a construção da relação. Nesse sentido, todo o corpo é sacramento, todo ele é significativo e realiza a presença da pessoa e mesmo a de Deus” (Le Mariage… tout simplement, Ed. de l’Atelier, p. 75).
6. Mais ainda: “Muitas vezes se entende a palavra “sacramento” num sentido limitado no tempo, ao momento da cerimônia. Ora, a própria palavra sacramento designa não somente a inauguração desse estado de vida, mas este estado de vida em toda a sua duração, da mesma forma sacramento se estende por todo o tempo da duração de um casamento. É todo o casamento que é sacramento. Entra-se progressivamente no sacramento. Sacramentais são os atos que o constituem: as refeições tomadas em comum, o envolvimento dos corpos, a acolhida dos hóspedes, a educação dos filhos, as atenções mútuas e mesmo as crises e as reconciliações. O lugar do sacramento não é somente o altar da igreja, mas a cama, a mesa, a casa” (p.89).
Bibliografia:
1 Frei Almir Ribeiro Guimarães é frade franciscano, nascido em Petrópolis, no Rio de Janeiro. Ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1965, período em que fez Licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia.
Tem publicado diversas obras de espiritualidade e, sobretudo, na área da Pastoral Familiar. Foi assessor nacional da CNBB e, desde 1992, é solicitado como palestrante e orientador em cursos para assuntos ligados à família. Atuou como pároco, assistente de grupos franciscanos em diversos estados e, atualmente, é vigário paroquial na Paróquia São Francisco de Assis, na Vila Clementino (SP), assistente nacional da Ordem Franciscana Secular, assistente regional da OFS-RJ e ES e redator da Revista “Grande Sinal”.
2 Henri Caffarel (1903-1996) foi, segundo o Cardeal Lustiger, arcebispo de Paris, "um profeta do século XX. Foi, desde a sua juventude, um homem arrebatado por Deus e que disse sim à ascendência divina. Sua vida se orienta a partir de março de 1923, quando "encontra" Cristo: será sacerdote, para levar os homens e as mulheres de sua época a fazer a experiência de Deus, como ele mesmo a fizera. Funda as Equipes de Nossa Senhora e a revista L'Anneau d'Or para ajudar os casais a caminhar rumo à santidade no seu casamento e por meio dele. Funda também o Agrupamento Espiritual das Viúvas para revelar-lhes que o amor é mais forte que a morte. Lança os Cahiers sur L'Oraison e anima Semanas de Oração em Troussures, para ensinar a todos a ciência e a arte da oração interior, preparo para entrar totalmente no projeto de Deus e trabalhar por seu Reino. Além dos movimentos que fundou, deixou numerosos livros destinados a suscitar "buscadores de Deus", esse Deus que amou e serviu com paixão (Henri Caffarel – Um Homem arrebatado por Deus – Jean Allemand).
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